Introdução
O suicídio é o ato no qual uma pessoa decide tirar a própria vida. Os motivos para que isto ocorra são diversos e nem sempre conseguimos explicar ou encontrar a verdadeira razão que levou um indivíduo a cometer o suicídio, mas conhecemos alguns dos fatores de risco para tal ato, o que pode nos ajudar a identificar pessoas com maiores chances de vir a cometê-lo e assim, em muitos casos, evitá-lo.
As taxas de suicídio vêm crescendo ao redor do mundo, sendo que dados epidemiológicos dos Estados Unidos
mostram que entre 2000 e 2014, as taxas de suicídio cresceram de 10,43 para 13,41 suicídios a cada 100.000 pessoas. Isto significa que em 14 anos, 3 pessoas a mais passaram a se suicidar a cada 100.000 pessoas por ano.
Assim, considerando que os E.U.A. tem uma população de 320.000.000, ocorreram a cada ano, aproximadamente, 9.500 mortes a mais por suicídio. Estes números mostram que o suicídio vem se tornando uma epidemia em nossos dias, de modo que diversas entidades internacionais de saúde vêm intensificando o estudo dos possíveis fatores deste crescimento, além de ampliarem programas de prevenção.
No Brasil, as estatísticas apontam para aproximadamente 11.000 suicídios/ano, sendo que ao considerarmos que as estatísticas são influenciadas por inúmeros fatores, desde culturais até problemas de coleta de dados, podemos considerar que este número deve ser ainda maior.
Quando falamos em prevenção, um passo importante é levar à população conhecimento sobre o assunto. Assim, saber os principais fatores de risco torna-se indispensável para a prevenção do suicídio.
Fatores de Risco
Os fatores de risco podem variar de acordo com a faixa etária dos indivíduos, mas muitos se mantêm para toda a população. Além disso, quando pensamos em fatores de risco, temos de diferenciá-los em dois tipos:
ESTÁTICOS – fatores que não são mutáveis. Neste grupo estão fatores como sexo, raça e também aqueles relacionados com a história prévia do indivíduo e de sua família.
DINÂMICOS – fatores passíveis de mudança. Aqui, entram, por exemplo, a presença de sintomas ou doenças psiquiátricas atuais e questões familiares e sociais. ESTES FATORES POR PODEREM SER ALTERADOS, DEVEM RECEBER ESPECIAL ATENÇÃO QUANDO FALAMOS EM PREVENÇÃO.
Entre os Fatores de Risco Estático, temos:
– SEXO MASCULINO – os homens apresentam menos tentativas de suicídio quando comparados as mulheres, mas os métodos que utilizam em suas tentativas são geralmente mais LETAIS e efetivos.
– Alguns estudos mostram que CAUCASIANOS cometem mais o suicídio que outras etnias.
– HISTÓRIA PRÉVIA DE:
- TENTATIVA DE SUICÍDIO – pessoas que já tentaram o suicídio morrem 3 vezes mais por suicídio
- ABUSO SEXUAL e/ou VIOLÊNCIA FÍSICA
- COMPORTAMENTOS AUTOMUTILANTES – algumas estudos mostram que até 10% da população apresenta em algum momento da vida comportamentos auto-mutilantes. Estes comportamentos se apresentam de inúmeras formas: cortar-se com lâminas de barbear, objetos afiados, etc; dar socos ou tapas em si mesmo; coçar-se de forma intensa a ponto de provocar lesões na pele; furar-se com agulhas e alfinetes; queimar-se com bitucas de cigarro; etc. Estes comportamentos não têm como objetivo acabar com a própria vida, sendo que alguns autores acreditam que eles ocorrem para reduzir ou regular emoções negativas. Sabemos que eles estão relacionados com maiores índices de suicídio. Discutiremos melhor estes comportamentos em outro post.
– HISTÓRIA FAMILIAR DE SUICÍDIO – algumas famílias parecem apresentar fatores genéticos importantes para o suicídio, de modo que observamos em várias gerações a ocorrência de episódios de suicídio.
– ORIENTAÇÃO SEXUAL LGBT – este fator parece trazer um risco maior de suicídio principalmente entre adolescentes. O principal fator aqui se deve ao ESTIGMA ainda presente em nossa sociedade, o que acarreta prejuízos sociais importantes a estes indivíduos e, consequentemente, propiciam maior incidência, por exemplo, de transtornos psiquiátricos.
– PRESENÇA DE DOENÇAS CRÔNICAS – principalmente entre idosos, a presença de doenças como diabetes, hipertensão, doenças reumatológicas, etc, levam a maiores taxas de suicídio.
– ACESSO FÁCIL A MÉTODOS LETAIS – a presença de possíveis métodos letais no ambiente, aumentam as chances de alguém atingir o suicídio, entre estas formas, a principal é a presença de ARMAS DE FOGO.
Entre os Fatores de Risco Dinâmicos, temos:
– PRESENÇA DE DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS – mais de 50% das pessoas que cometem o suicídio apresentavam alguma doença psiquiátrica (alguns autores chegam a relatar taxas de quase 90% de doenças psiquiátricas entre suicidas), como: DEPRESSÃO (transtorno mais comum entre os indivíduos que cometeram suicídio ou que apresentam ideação suicida) (veja também: Videos: Depressão – Principais Sintomas e Tratamento), Transtorno Afetivo Bipolar, Esquizofrenia, Transtornos de Personalidade, etc. DEPENDÊNCIA ou USO NOCIVO DE ÁLCOOL OU DROGAS mostrou-se um importante fator de risco, sendo que estudos mostram que frequentemente aqueles que cometem o suicídio fizeram uso de álcool ou alguma droga ilícita nas últimas 24 horas.
– PRESENÇA DE ALGUM SINTOMA PSIQUIÁTRICO – pessoas que apesar de não preencherem critérios para um transtorno psiquiátrico, apresentam algum sintoma importante, entre os mais frequentes, podemos citar: INSÔNIA, sentimentos de desesperança e IMPULSIVIDADE, que parece ser um importante fator de risco principalmente entre adolescentes e homens adultos.
– ESTADO CIVIL – solteiros, viúvos e divorciados apresentam maiores taxas de suicídio quando comparados a pessoas casadas ou amasiadas. Este fato é mais importante nos homens do que entre as mulheres.
– DESEMPREGO, DIFICULDADES FINANCEIRAS E APOSENTADORIA – alguns estudos mostram que estas situações levam a maior risco de suicídio, o que parece ser mais intenso entre homens. Durante a última crise financeira mundial (2007-2010), por exemplo, observou-se em muitos locais ao redor do mundo uma importante elevação do número de suicídios.
– ALGUMAS PROFISSÕES – profissionais da área de saúde (médicos e enfermeiros) e de segurança (policiais, militares e bombeiros) apresenta maior risco, o que ocorre devido a rotina mais instável, jornada de trabalho longa e irregular, além de estarem expostos, muitas vezes, a situações extremas. Por fim, o risco aumentado se deve ao acesso a meios letais (medicações e armas).
– IMIGRANTES – imigrantes apresentam maior risco de suicídio, principalmente se estiverem sem outros familiares e com pouco suporte social. Além disso, quanto menor for o domínio da língua local, maiores as taxas de suicídio, o que provavelmente se dá devido a maior dificuldade de contato social.
– LUTO E EVENTOS VITAIS IMPORTANTES – após a perda de um ente querido ou diante de situações familiares delicadas, observamos maior risco de ideação, tentativa e, efetivamente, suicídio.
– Crianças e adolescentes que sofrem BULLYING mostram maiores índices de suicídio. O mesmo ocorre para aqueles jovens que realizam o bullying, isto é explicado quando percebemos que o agressor também não está bem, sendo o ato do bullying o modo pelo qual manifesta ou foge de sua angústia. Há evidências de que aqueles que sofreram bullying diretamente na escola e também pela internet (Cyberbullying) tentam mais frequentemente o suicídio, ou seja, múltiplas formas de bullying acarretam maior risco.
– PERCEPÇÃO POBRE DO ESTADO DE SAÚDE OU PREJUÍZO FUNCIONAL – principalmente em idosos.
Estratégias de Prevenção
PSICOEDUCAÇÃO
Apesar dos índices de suicídio estarem crescendo nos últimos anos, ainda há muitas dúvidas sobre a eficácia das atuais estratégias de prevenção, mas, por outro lado, parece haver consenso de que a educação sobre o assunto é uma importante ferramenta, estando, direta ou indiretamente, presente em todos os protocolos de prevenção avaliados até o momento. Através da educação, torna-se possível uma melhor identificação dos indivíduos em risco.
Na população em geral, a maior parte dos estudos de prevenção focam na identificação por parte, principalmente, da família dos sinais de risco de suicídio e também na conscientização sobre doenças psiquiátricas. Como já dissemos antes, o ESTIGMA em relação aos transtornos psiquiátricos ainda é gigantesco, sendo que frequentemente a DEPRESSÃO é considerada “algo normal” ou mesmo “sinal de fraqueza”, “frescura”. Sabemos que quanto maior o estigma presente em uma população, menor serão as taxas de pacientes que buscam tratamento e, consequentemente, teremos maiores taxas de suicídio. Desta forma, diversas atividades psicoeducacionais (encontros e palestras para se debater pontos importantes sobre depressão, suicídio, etc) têm sido realizadas com o intuito de levar conhecimento a população e, assim, possibilitar o reconhecimento precoce da ideação suicida, levando a intervenções mais rápidas.
Hoje em dia, podemos encontrar diversas associações de pessoas com depressão e transtornos do humor que realizam atividades voltadas ao público em geral e que visão informar e, consequentemente, facilitar a busca por tratamento (VEJA ABAIXO LINKS).
TRIAGEM/RASTREIO DO RISCO EM SERVIÇOS DE SAÚDE
Uma ação que parece reduzir as taxas de suicídio é a realização em serviços de saúde em geral de QUESTIONÁRIOS que avaliem a presença de sintomas psiquiátricos e a presença de ideação suicida. Atualmente, existem diversos questionários e testes de rápida aplicação que podem ser realizados no momento da triagem dos pacientes que buscam serviços de emergência ou mesmo em ambulatórios médicos.
Esta estratégia mostra-se interessante no momento em que diversos estudos mostram que 45% dos indivíduos que cometem o suicídio passaram em algum serviço médico nas 4 semanas que antecederam o suicídio.
Porém, infelizmente, no Brasil, poucos centros de saúde utilizam questionários de triagem para doenças psiquiátricas ou ideação suicida. Os motivos pelos quais não o utilizamos são diversos, mas os principais são: apesar de serem de rápida aplicação, a demanda dos serviços de saúde ainda é excessiva, não restando tempo para a aplicação; e, necessidade de que os profissionais que apliquem estes questionários (médicos, enfermeiros, etc) recebam um treinamento prévio. Além disso, é necessário que os pacientes considerados positivos na triagem, sejam redirecionados rapidamente para avaliação psiquiátrica, o que não ocorre no Brasil, devido a devido a presença de poucos serviços especializados.
ESTRATÉGIAS VOLTADAS PARA ESCOLAS
O suicídio entre jovens de 15 a 29 anos vem aumentando nas últimas décadas, sendo que grande parte das estratégias de prevenção têm se voltado para esta faixa etária, de modo que programas que atuem nas escolas mostram-se promissores.
Entre estes programas, o mais utilizado é o de FORMAÇÃO DE “GATEKEEPERS” (uma tradução literal em português, seria PORTEIROS). Consiste em treinar profissionais da escola (professores, auxiliares de sala de aula, funcionários administrativos, etc) que apresentam amplo e bom contato com os alunos e que mostrem aptidão pessoal para observar sinais de risco entre os alunos. E sempre que suspeite, faça o primeiro contato, além de avisar seus responsáveis, de forma a possibilitar tratamento rápido e efetivo.
Todas as estratégias voltadas para a escola devem ser articuladas sempre em conjunto com profissionais da área da saúde e com os pais e responsáveis dos alunos.
Conclusões
As taxas de suicídio vêm crescendo ao redor do mundo, o que se deve a múltiplos fatores, entre os quais, provavelmente, o fato de vivermos em um mundo cada vez mais fechado, cada vez mais impessoal. Apesar do advento das redes sociais, estamos mais e mais isolados, socializamos sozinhos diante de nossos celulares e computadores, mas estamos nos esquecendo de quão importante é o contato direto com outros seres humanos.
Assim, não olhamos mais para os outros e, consequentemente, não vemos os fatores de risco e quando vemos, temos medo de interagir, não queremos ser intrometidos.
A prevenção do suicídio só ocorre se voltarmos a ver, sentir e ouvir o outro. Devemos interagir. Só assim podemos combater esta epidemia e só assim, podemos viver melhor!!
Links Úteis
ABRATA – Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos
Referências
Bhimji SS & Dulebohn SC. Suicide Screening and Prevention. StatPearl [Internet] (leia no link: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK531453/).
Steele IH, Thrower N, Notoian P, Saleh FM. Understanding Suicide Across the Lifespan: A United States Perspective of Suicide Risk Factors, Assessment & Management. J Forensic Sci 2018; 63 (1): 162-169.